domingo, janeiro 29, 2006

Ainda a propósito do texto do Padre António Vieira

(O texto que se segue pode parecer irónico. Não é. Acrescento que não sou crente. Mas considero Jesus Cristo um ser absolutamente excepcional e verdadeiramente admirável)

Jesus Cristo, para nós professores, é um exemplo impressionante a ter em conta.
É que, à partida, Jesus, como mestre e educador, falhou incrivelmente em quase todos os campos.
Isto apesar de usar um método pedagogicamente correcto: apresentou sempre o seu comportamento como modelo e exemplo, usou parábolas para despertar o interesse dos seus ouvintes e para lhes tornar a mensagem mais facilmente compreensível, e encorajou-os a praticar o que aprendiam.
Bom, o que é certo é que Jesus só conseguiu arranjar 12 discípulos e nenhum pareceu entender patavina da sua mensagem (o entendimento só veio depois, como explica Vieira). Ainda por cima, um deles até o vendeu por 30 dinheiros e outro, o principal, negou inclusivamente tê-lo conhecido sequer. E, para o desastre ser total, acabou por ser morto por vontade de uma multidão em fúria que achou um criminoso feroz um indivíduo mais aceitável que ele! Não consigo imaginar pior...

(Eu, que não sou Cristo, nem tenho a sua profunda e imensa sabedoria, eu, tenho a pretensão de conseguir ensinar e convencer toda a gente!?)

No entanto, a sua mensagem não só não se perdeu, como se tem espalhado, influenciado e inspirado milhões e milhões de seres humanos! Há que admiti-lo: Jesus acaba por ser na realidade um dos mestres mais bem sucedidos na história da humanidade!

Reflexão final:
Não nos devemos culpabilizar quando fracassarmos no momento presente.
Devemos preocupar-nos, sim, em fazer com que a nossa tarefa de comunicar e de ensinar seja levada a cabo com a mais séria honestidade e autenticidade, portanto, com sensibilidade, com clareza e com coragem. Devemos também preocupar-nos em adequar quer a mensagem quer o meio de a transmitir àqueles que é suposto receberem-na e aprenderem-na.
Mas aqui acaba a nossa responsabilidade.
Se os alunos escolhem livremente não estudar e não se comportarem bem (note-se que as consequências imediatas dessas escolhas para eles são mínimas), isso já não é da nossa responsabilidade, nem devemos aceitar que disso nos culpabilizem.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Aprender... ou não (com o Padre António Vieira)

"Ille vos docebit omnia quaecumque dixero vobis: O Espírito Santo — diz Cristo — vos ensinará tudo o que eu vos tenho dito.
Notai a diferença dos termos, e vereis quanto vai de dizer a ensinar. Não diz Cristo: o Espírito Santo vos dirá o que eu vos tenho dito; nem diz: o Espírito Santo vos ensinará o que eu vos tenho ensinado; mas diz: O Espírito Santo vos ensinará o que eu vos tenho dito, porque o pregador, ainda que seja Cristo, diz: o que ensina é o Espírito Santo. Cristo diz: Quaecumque dixero vobis; o Espírito Santo ensina: Ille vos docebit omnia.
O mestre na cadeira diz para todos, mas não ensina a todos. Diz para todos, porque todos ouvem; mas não ensina a todos, porque uns aprendem, outros não.
E qual é a razão desta diversidade, se o mestre é o mesmo e a doutrina a mesma? Porque, para aprender, não basta só ouvir por fora: é necessário entender por dentro. Se a luz de dentro é muita, aprende-se muito; se pouca, pouco; se nenhuma, nada.
O mesmo nos acontece a nós. Dizemos, mas não ensinamos, porque dizemos por fora; só o Espírito Santo ensina, porque alumia por dentro: Ministeria forinsecus adjutoria sunt, cathedram in caelo habet, quia corda docet, diz Santo Agostinho. Por isso até o mesmo Cristo, pregando tanto, converteu tão pouco. Se o Espírito Santo não alumia por dentro, todo o dizer, por mais divino que seja, é dizer: Quaecumque dixero vobis; mas se as vozes exteriores são assistidas dos raios interiores da sua luz, logo qualquer que seja o dizer, e de quem quer que seja, é ensinar, porque só o Espírito Santo é o que ensina: Ille vos docebit. "

(Descobri este texto no Abrupto, não indicando Pacheco Pereira a fonte - que eu também desconheço -, apenas a autoria do Padre António Vieira)

domingo, janeiro 22, 2006

Solidão

Hoje estou com a melancolia a soprar no meu espírito. Da manhã enevoada? Das poucas horas dormidas? Ou do que me aconteceu ontem?

Fui a uma festa de anos em casa de um amigo meu. E confrontei-me com uma explosão de ódio em relação aos professores que me deixou chocado!

Ouvi até: "Os professores são todos uma bosta!... Com excepção de ti, claro!" Pois...! Na altura até me ri, mas agora não.

As pessoas não querem realmente saber porque é que os professores não conseguem fazer tudo que elas lhes exigem, que é ensinarem e educarem os seus filhos, duas coisas que muitas delas próprias já não conseguem fazer (e é só a um ou dois, nós temos em média vinte e cinco de cada vez!).

Apenas fazem o que o governo e a comunicação social pretendem que elas façam: culpar os profs de todos os males do ensino!

Nós, os professores, estamos mesmo cada vez mais sós...

sábado, janeiro 21, 2006

O poder

No meu post “Sente-se...” tinha em mente todos aqueles que, com poder, são auto-suficientes até à arrogância; que decidem sem consultar ou, pelo menos, respeitar aqueles que vão ser gravosamente afectados por essa decisão (às vezes apenas fingindo ouvi-los); que optam por pôr uns contra os outros para poderem mandar mais facilmente; etc, etc. Ou seja, os nossos governantes.

Entretanto, surgiu-me a interrogação (reflexões suscitadas pelo último post da TheLBug): aquilo que penso e atribuo aos governantes poderá ser pensado e atribuído pelos alunos a mim? Isto é, se houvesse alunos que lessem aquele poema, pensariam eles em dedicá-lo a mim (com o mesmo prazer com que eu o fiz em relação aos governantes)?

A resposta honesta deve ser sim, tenho quase a certeza disso. Lembro-me, uma lembrança que ainda me queima passados vários anos, de alunos que se sentiram profundamente ofendidos comigo. Por exemplo, um que, desesperado, acabou por me dizer (e me silenciar): “O seu filho deve ser muito infeliz para ter de viver com alguém como o stor!”

Repare-se: também há alunos que pensam de outra forma, diga-se em meu abono. Por exemplo, num trabalho deste ano, em que uma aluna recolheu opiniões dos colegas sobre todos os professores da turma, surge esta “apreciação” a meu respeito: “O stor é fixe! Ker dizer, é mt fixe, ou melhor mt fixe mxm!”

Bom, mas o problema disto tudo está em como lidar com o poder sem que ele nos suba à cabeça. É certo que o professor tem um poder bem frágil (pensamos nós, claro!, se calhar os alunos não concordam) na sala de aula, mas tem-no. Ao usá-lo, a tentação de abusar dele existe em toda a gente. A questão está, parece-me, no estabelecimento de uma linha de fronteira para lá da qual o professor se compromete perante si mesmo a não a ultrapassar. E a tentar verdadeiramente conseguir não a ultrapassar, mesmo quando lhe parece justificado fazê-lo... Tarefa difícil! Que pode levar uma vida inteira!

“Sente-se. (...) Você é um idiota. (...)” Ok: vou tentar não merecer isto!

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Com uma piscadela de olho à minha companheira de blog, The Lbug, pelas “alfinetadas” que ela dá aos nossos “mandões” do governo, aqui transcrevo, de um apontamento meu de há muitos anos (por isso, não sei de que livro foi tirado) um poema de Bertolt Brecht:


Sente-se...
(nº 10 dos poemas relacionados com o “Manual para habitantes de cidades” – para disco -)

Sente-se
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.

Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?
Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota
I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene, O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.
Idiota.

Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada. Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.

Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes
Se você não é um I.
Claro, a você não lho dirão
Porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas
Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.

É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o I negue que o é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.
É francamente fatigante.

Como vê, preciso de dizer mais uma vez
Que você é um I.
E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.

Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer
Que há outros I.
Você é um I.

De resto isso não é grave.
É assim que você poderá chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política!
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.

E você é I.
(Fomidável, não acha?)

Você ainda não está ao corrente?
Quem há-de então dizer-lho?
O próprio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.

Este homem é um I.
Nada mais.

Não basta tocar o disco uma só vez.


(fiz uma busca na net e parece que este poema surge em Poemas de Bertolt Brecht, da Campo das Letras)

domingo, janeiro 01, 2006

PISA e Finlândia

Andei a investigar na net o que se passa com o sistema de ensino na Finlândia que explique o seu extraordinário sucesso no PISA de 2003 (resultados publicados em Dezembro de 2004): os alunos finlandeses, com 15 anos de idade, ficaram em primeiro lugar na leitura, na matemática e nas ciências. Na resolução de problemas, perderam por pouco para a Coreia do Sul. As médias das notas ficaram 40 a 50 pontos mais altas do que a média da OCDE, de aproximadamente 500 pontos.

Vários factores parecem estar por detrás deste sucesso, entre outros: uma elevada exigência de formação dos professores (que, na escola, podem centrar a sua atenção apenas em ensinar), elevada autonomia das escolas, início da escolaridade aos 7 anos, cerca de 20 alunos por turma, escola com poucos alunos (apenas 3% das escolas tem mais de 600 alunos) e fosso entre ricos e pobres pequeno. Os salários dos professores são baixos face a outras profissões, mas o nº de dias e de horas de trabalho são também comparativamente mais reduzidos, como se explica aqui, neste artigo do Washington Post: no caso apresentado, para um salário líquido de 2000€ por mês o professor trabalha 190 dias por ano (é esta a duração do ano escolar na Finlândia), 3 a 8 horas por dia.

O texto mais interessante que li foi este (até porque não deixa de manter um olhar crítico): What We Can Learn from Finland.

Mas também neste texto, Educação e Formação, com origem na Embaixada da Finlândia de Lisboa, há coisas interessantes (foi daqui que retirei os dados que coloquei no 1º parágrafo deste post).

O relatório no Portal do Governo, analisando o caso português, também é de ler.