sexta-feira, março 24, 2006

(A ausência de) Exames na Finlândia e outras reflexões

Na Finlândia não há exames no final do ensino básico. Porque será que lá não são precisos?

A generalidade dos meus alunos gaba-se de não estudar nada em casa.

Eu dou aulas partindo exactamente deste princípio. Por isso:
- não passo trabalhos de casa, porque eles não os fazem (e perco então um tempo precioso a ver todos os que não fizeram e a mandar recados, ineficazes aliás, para os pais);
- não pergunto, ou só pergunto com fins retóricos (em cada aula repito a matéria de trás), o que foi dado na última lição porque eles não se lembram;
- reduzo ao mínimo as minhas falas porque sei que, se eu falar mais de um minuto, eles "desligam";
- e dou testes fáceis porque senão eles têm muitas "negativas" e sabem que aí sou eu que fico numa posição delicada, não eles (como todos sabem são os professores que, qual serial killers, têm uma compulsão patológica para chumbar selvaticamente o maior número de alunos que podem).

Neste quadro há alguma coisa em que eu seja exigente? Há. Estou sempre a desafiar e a apelar, não para o seu saber porque eles não o têm, mas para a sua inteligência, para o seu raciocínio, para a sua capacidade de dedução e de indução.
Qual é o meu pior inimigo nesta minha área de actuação? A facilidade com que, à primeira dificuldade séria, eles desistem e cruzam os braços: esfalfo-me diariamente para que isto não aconteça (nesta luta tenho muitas vezes presente, não sei porquê, a imagem das multidões de judeus pacientemente à espera de serem mortos na Alemanha hitleriana).

Última pergunta: a introdução de exames altera este quadro? Bem, como se vê pelo secundário e já muito pelo ensino superior, a resposta parece-me simples: não! Então qual a solução? Não sei. Mas sei que a anti-solução é fragilizar o saber, a competência e o empenho dos professores, como tem sido feito até aqui.

E que também fazer dos alunos sujeitos passivos quer das famílias, quer da classe social, quer dos professores, sem terem o poder de orientar minimamente o seu próprio destino, é a pior mensagem que lhes pode ser passada. Eu vejo nos meus alunos uma predisposição crescente para se sentirem vítimas impotentes de tudo o que os rodeia: o seu conformismo, muitas vezes já desencantado e cínico, bem como a ausência de sonhos autenticamente emancipadores com 12, 13 ou 14 anos é algo de angustiantemente assustador (e que me entristece até à morte). Quando não pensam que a violência é a única resposta...

domingo, março 19, 2006

“O 'Eduquês' (...)” de Nuno Crato – uma apreciação pessoal e subjectiva

Principal defeito: o hábito irritante (pouco científico e que, aliás, se encontra pouco nos seus adversários) de não resistir à tentação de ridicularizar aquilo que não entende completamente.

Principal qualidade: não critica os professores, nem explícita nem implicitamente, ao contrário da maioria dos seus oponentes.

Eu confesso, já fujo de ler o que têm para dizer os progressistas, porque nunca falha: sabem que as ideias muitas vezes não são possíveis de serem aplicadas, porém o mal nunca está nas ideias nem nos que as defendem, mas sempre nos que as procuram aplicar no terreno (sendo este um facilmente reconhecível traço do fanatismo que, aliás, NC procura combater). Assim, a crítica implacável é sempre reservada para os professores (repare-se: uma atitude que surge em notória contradição com o tipo de postura que os progressistas teóricos dizem que os docentes devem ter)!

Ainda se a crítica aos professores fosse explícita e baseada na realidade dos factos, nós os professores ainda poderíamos aprender com ela ou defendermo-nos dela. Tal não é possível porque se tratam sempre de críticas construídas à base de ideias feitas velhas e de condenações a priori. Tudo muitas vezes escrito (cobardemente) sob a forma de generalidades subentendidas.

Dou um exemplo: a taxa de retenções e de reprovações que é muito elevada no nosso país. Não surgem hesitações em criticar agressivamente os professores e as escolas por esse facto. No entanto, todos sabemos que se explica em diversos documentos os porquês desse insucesso, quer aluno a aluno, quer a nível de escola. Principalmente, e com muito mais detalhe, nos casos de retenção repetida. Eu só pergunto: algum desses críticos se deu ao trabalho de, por exemplo em escolas com elevados níveis de insucesso, ir analisar as actas e os relatórios de retenção (já nem digo ir falar com os professores) a fim de tentar perceber honestamente o porquê desse insucesso?

Claro que não! É muito mais fácil (e fica-se mais bem visto) criticar e ridicularizar os professores. E afirmo: SEM RAZÃO!

Como é que eu sei que os professores são na sua generalidade, bastante competentes e sabedores, e que são-no claramente muito mais do que os professores de há 20, 30 ou 40 anos? É simples, eu explico.

Antigamente, os estágios implicavam importantes oportunidades de inovação para as escolas (isso passou-se comigo). Actualmente isso já não acontece: são genericamente muito mais sabedores e inovadores os professores mais experientes que os estagiários. O impacto destes nas escolas foi-se tornando cada vez mais insignificante face à boa qualidade dos outros professores. E percebe-se porquê: não se passa por um grande número de acções de formação (que todos os docentes foram obrigados a frequentar desde há uns anos a esta parte) sem se acabar por se ser formado, por mais resistências à mudança que possam existir a priori.

Por isso, volto a repetir: a maior parte das críticas feitas aos professores são não só injustas como absolutamente falsas.

Nuno Crato não cai nesse erro (Os bons professores sabem o que se deve fazer e tentam fazê-lo. Se muitas vezes não fazem mais e melhor, essa limitação não se lhes deve., p. 121). Só por isso, eu, que não gosto dele, que não gosto da sua postura habitual, que não concordo com algumas das coisas que ele escreve neste livro, eu sinto-me grato!


PS.: Nem todos os "progressistas" são como eu os retrato aqui, como é evidente. Uma palavra em favor de Paulo Abrantes, que já não pode esclarecer a falta de entendimento de NC, e que claro que não pertenceu nunca àquele grupo.

sábado, março 11, 2006

"O 'eduquês' em discurso directo" (Gradiva) por Nuno Crato

Graças à sugestão de um dos nossos comentaristas (um obrigado para ele) li este livro. E li-o de um fôlego só!
Não simpatizo com o autor, nem com as suas ideias. Decidi ler o seu livro para conhecer o "inimigo". Reconheço que estava enganado.
Foi uma leitura entusiasmada! Por isso, não esperem uma crítica fundamentada por enquanto.
Apenas direi:
- é um livro que critica as ideias educativas correntes, não a sua aplicação prática, tal como avisa o autor no início (e cumpre);
- critica, mas não se fica por isto, apresenta as suas propostas alternativas: confesso que, numa primeira leitura, concordo com as suas propostas a 100% (sim, leram bem, a 100%!). E não só concordo: subscrevo-as a 100%, quer com o meu intelecto quer com a minha prática! Embora eu abra excepções para os alunos com dificuldades especiais, que precisam de abordagens diferentes.

(Estive sem net até agora; isto é uma nota apressada para quem queira ter alguma coisa interessante e estimulante para ler este fim de semana)