Sente-se...
(nº 10 dos poemas relacionados com o “Manual para habitantes de cidades” – para disco -)
Sente-se
Está sentado?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraído.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.
Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me?
Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?
Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota
I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene, O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.
Idiota.
Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada. Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.
Aliás não sou o único a dizê-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes
Se você não é um I.
Claro, a você não lho dirão
Porque você se tornaria vingativo como todos os idiotas.
Mas
Os que o rodeiam já há muitos dias e anos sabem que você é um idiota.
É típico que você o negue.
Isso mesmo: é típico que o I negue que o é.
Oh, como se torna difícil convencer um idiota de que é um I.
É francamente fatigante.
Como vê, preciso de dizer mais uma vez
Que você é um I.
E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se console a dizer
Que há outros I.
Você é um I.
De resto isso não é grave.
É assim que você poderá chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política!
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se preocupar com mais nada.
E você é I.
(Fomidável, não acha?)
Você ainda não está ao corrente?
Quem há-de então dizer-lho?
O próprio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito na matéria, dê a sua opinião.
Este homem é um I.
Nada mais.
Não basta tocar o disco uma só vez.
(fiz uma busca na net e parece que este poema surge em Poemas de Bertolt Brecht, da Campo das Letras)



1 Comments:
A poesia é a ferramenta mais afiada que se conhece: insinua-se com subtileza exactamente onde é preciso. Dói mais assim. Ou dá mais prazer. Depende das palavras e dos pontos de vista...
(Recomenda-se bastante, nestes tempos de pouca luz.)
Obrigada Rui pelas tuas palavras. Cheguei aqui há tão pouco e acolheram-me com tanto mimo! Valeu bem a pena esta ideia de ano novo, que resolvi tecer assim suave nos entretempos.
Façam da minha teia a vossa casa, sempre que um pequeno instante de tempo vos sobrar e o vento vos levar até lá. Encontramo-nos por aí...
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