sábado, novembro 19, 2005

Querer realmente o sucesso dos alunos

Na minha mais que modesta opinião, se este Governo quisesse realmente o sucesso dos alunos dirigir-se-ia à escola, professores e pais, nestes termos (aqui muito simplificadamente expostos):

"Consideramos os indicadores seguintes ... (que incluiriam os resultados dos exames e provas de aferição, bem como o abandono escolar, sem prejuízo de outros) essenciais na promoção de uma escola de qualidade, e estabelecemos para cada um deles uma fasquia.
"Têm 3 anos (nunca menos): um, para se prepararem; e dois, para levarem à prática o que planearam.
"Nós damos aos orgãos de gestão da escola um real poder para conseguirem organizar a escola/agrupamento do modo mais autónomo possível.
"No fim dos 3 anos os resultados serão avaliados.
"Se estiverem acima daquela fasquia, tudo bem.
"Se estiverem abaixo, iremos indagar porquê.
"Se se revelar que as causas do insucesso não são imputáveis à escola, colaboraremos para apoiar a escola no que ela precisar para melhorar.
"Se forem imputáveis à escola (professores e/ou pais), intervimos na gestão da escola."

Tenho ouvido dizer pelos especialistas na área que o sucesso dos alunos noutros países está positivamente correlacionado com o grau de autonomia das suas escolas.
Além disso, procedendo como tem feito, o Governo desresponsabiliza imenso quer professores, quer pais, dos resultados que os alunos venham a obter...

2 Comments:

Blogger Vitor Mota said...

Rui... para Ministro da Educação!

19/11/05 17:09  
Anonymous Anónimo said...

O que se aprende nas escolas é uma espécie de Matemática pimba

P. - Quantos alunos é que entraram este ano para a licenciatura em Matemática do Instituto Superior Técnico?
R. - O número de vagas era de 40, entraram 24. Em todo os país, por falta de candidatos, entraram para licenciaturas de Matemática, incluindo as dos ramos educativos, cerca de 150 alunos. Para dar a ideia do chocante que isto é, diga-se que há 10 anos, no Técnico, candidataram-se a Matemática à volta de 1000 alunos. Era a situação normal. Mas a partir daí o número de candidatos começou a decrescer. Primeiro de modo gradual e depois, desde há quatro ou cinco anos, em flecha. O que levanta já um problema de renovação.
P. - Este colapso da Matemática em Portugal coloca-nos em posição subalterna na chamada sociedade do conhecimento?
R.- Aqui não há meio-termo. As coisas vão ocorrer um pouco por selecção natural. Os países mais bem preparados ― e vamos estar num mercado enorme ―, que oferecerem os melhores licenciados, os melhores cientistas, os melhores tecnólogos, vão triunfar. Veja-se o exemplo do antigo bloco de Leste, países que têm uma formação científica super-exigente. A Hungria, a República Checa, a Lituânia têm neste domínio um potencial humano enorme.
Se a nossa reacção em relação a tudo isto for, também a nível do Ensino Superior, simplificar as coisas e utilizar o processo de Bolonha como alavanca para a facilitação e não para uma maior exigência, não só deixaremos de estar onde estamos, como seremos definitivamente ultrapassados por eles. Hoje são os alemães que vêm cá comprar montes alentejanos. Se calhar daqui a 20 anos vão ser os lituanos.
P. - É sua opinião então que o processo de Bolonha pode vir a desqualificar o Ensino Superior?
R. - É um grande risco que corremos e daí o meu cepticismo em relação a este processo. Existindo essa questão de base que é a compressão dos anos de ensino nas licenciaturas [para três], podíamos estar a reformular as coisas de forma a optimizar o que é ensinado. Em vez disso, pelo contrário, o que se está a fazer é o que já se fez nos últimos ciclos do ensino Básico e no Secundário ou seja, tornar as coisas mais fáceis, facilitar mais, ensinar pela rama. E este é um grande risco que estamos a correr, porque assim a evolução científica e tecnológica não se fará. A inovação em ciência e tecnologia é feita à custa do conhecimento científico de ponta. Não me estou a referir apenas às ciências aplicadas. Não estou a falar de pessoas que sabem utilizar a última ferramenta informática. Não é isso, porque esse conhecimento fica obsoleto muito rapidamente. Estou a falar de uma pessoa que tem capacidade para criar conhecimento novo. Criar conhecimento novo, fazer inovação, foi, por exemplo, o que aconteceu quando a Nokia criou os telemóveis.
Não foi por acaso que tal se tenha passado na Finlândia, que é um país com cerca de 80 por cento de licenciados. Ora bem, o que a Nokia fazia basicamente era pneus. Até que percebeu que tinha à mão todos aqueles licenciados, muitos deles em engenharia, física, matemática, e o que fez com eles foi avançar para novas tecnologias.
Exemplos como o da Nokia vão multiplicar-se, vão ser o futuro. E se nós à partida escolhemos dar uma formação abaixo da média, estamos automaticamente a pôr-nos à margem.
P. - Apesar deste Governo ter eleito como um dos seus objectivos um "choque tecnológico"...
R. - Espero que se concretize. Só que esse choque tecnológico tinha precisado de um choque educativo. É preciso não esquecer que as questões da educação só se vêem a longo prazo. Uma reforma da educação só tem efeitos no mínimo dentro de dez anos, passada uma geração de alunos. E portanto não é compatível com estes prazos muito mais curtos.
Para se concrerizar, o choque tecnológico precisa de uma injecção de capital humano. Não tenho dúvidas de que, à partida, ainda temos potencial humano. A minha dúvida é se a gente vai conseguir aproveitar aquilo que tem.
P. - Porque a verdade é que ainda temos crânios, cá dentro e lá fora. Como se explica, por exemplo, que, com tão maus resultados nas escolas, concorram às Olimpíadas de Matemática cerca de 18 mil alunos, que estudantes portugueses fiquem em terceiro lugar nas Olimpíadas internacionais, como aconteceu recentemente?
R. - Não temos uma coisa genética contra a Matemática. Isso é coisa que não existe. O que existe é má preparação, má formação. A inteligência, em particular a inteligência matemática, é democrática. Mas é como uma planta. Tem que ser regada desde o princípio, um bocadinho todos os dias. Se isso não acontecer vai murchando.
Há aqui no IST imensos olímpicos. A minha sensação, em primeira-mão, por observá-los, é que estes, não os 18 mil, mas os 60 que vão à final, e a meia dúzia que vai depois às olimpíadas internacionais, são miúdos e miúdas que conseguiram sobreviver ao sistema de falta de exigência em vigor. Estamos a prestar um mau serviço.
P. - Conseguiram por acaso ou porque apanharam bons professores?
R. - Conseguiram sobreviver, eventualmente tendo bons professores. Existem excelentes professores. Mas também existe este ambiente de que não é preciso aprender muito, de que o que é preciso é adquirir umas competências, uns saberes. Operou-se uma espécie de fluidificação do ensino ― é tudo mais ou menos. Trata-se de uma abordagem que ganhou terreno nos últimos 15/20 anos e que acabou por permear toda a cultura educativa entre nós. Hoje os programas de Matemática, aquilo que se aprende nesta disciplina, é quase uma caricatura grotesca do que existia há 20 anos.
Operou-se um nivelamento por baixo seja ao nível dos programas, do que se exige aos alunos, da preparação científica dos professores e até dos próprios manuais. Os erros que tenho encontrado em manuais! A começar pelos do primeiro ciclo. O que tem um efeito a dobrar. Há muitos professores que têm os manuais como principal material para preparar aulas e se os manuais são maus, têm asneiras, eles acabam a transmitir asneiras.
P. - Se repetem os erros isso significa que a sua formação está aquém do que seria expectável.
R. - Hoje em dia o grau se formação científica específica na área de Matemática para um professor que vai para áreas da Educação é mínimo. Em termos da formação recomendada, por exemplo, pelas associações americanas de professores, a formação científica que nós damos em Matemática aos docentes é cerca de um terço daquilo que devia ser em termos de horas. Privilegia-se muitas coisas circundantes, que são importantes, mas são acessórias. E a formação científica é desprezada. Posso dizer com propriedade este termo ― é desprezada.
O que é muito grave. Em Matemática em particular é preciso, para se ser um bom professor, saber muito, mas muito mais do que aquilo que se ensina. É claro que se um professor está mal preparado, ensina com pouca segurança, ou ensina mal, nem tem condições para leccionar, nem consegue motivar. Para motivar alunos, para perceber porque é que aquilo é giro, porque é que é importante, tem que se dar exemplos, tem que se relacionar com outras áreas. E não é isso que se faz quando se debita apenas a matéria.
P. - Um mau começo pode comprometer a aprendizagem futura?
R. - Penso que o principal problema na formação dos alunos em Matemática está hoje no primeiro ciclo. Um miúdo que chega ao fim da antiga primária sem adquirir os conhecimentos essenciais, sem saber a tabuada, sem saber fazer contas com tabuada, sem saber fazer divisões, só muito dificilmente vai conseguir apanhar o resto. A questão cumulativa em Matemática é muito importante. É outra das coisas específicas desta disciplina que sofreu muito com esta desvalorização da componente científica, com o facilitismo que se instalou, com a ausência de exames nacionais.
P. - Mas neste cenário em que é que os exames poderiam ajudar?
R. - Por exemplo, um aluno que chega ao 6º ou 7º ano e perde o comboio da Matemática, nunca mais volta a apanhá-lo. Se não existirem avaliações nacionais, se não houver uma forma sincronizada de medir qual é o desempenho do aluno em termos daquilo que é esperado, ele se calhar nunca vai perceber que perdeu completamente o comboio, que está completamente de fora. Infelizmente é o que se passa e daí os 60 por cento de negativas no exames do 12º ano. Isto não quer dizer que os miúdos sejam infradotados para Matemática, mas sim que se calhar o sistema não promoveu que eles percebessem que têm de ter uma atitude de esforço, de estudo constante e de acompanhar a coisas, porque senão estão perdidos. Depois, aos 18 anos, quando se dão conta, já é tarde.
P. - Para utilizar a sua expressão, há os que conseguem sobreviver apesar do sistema. Têm médias altíssimas e depois chegam, por exemplo, ao IST e afundam-se. Porquê?
R. - Eles chegam aqui com uma ideia completamente distorcida do que é a Matemática. Como dou aulas ao 1º ano, vejo acontecer em primeira-mão, vejo-os a dizer isso e a cair em crise vocacional. De repente acham que afinal não gostam de Matemática, que esta é uma coisa muito diferente do que julgavam. Pois é. Essa crise vocacional significa que eles no Secundário viram a tal caricatura, uma espécie de Matemática pimba, que não é verdadeiramente a ciência matemática.

P. - E o que é a ciência matemática?
R. - Trabalho, disciplina de espírito, rigor intelectual. A Matemática são definições rigorosas, deduzir com rigor lógico absoluto, proposições que chamamos de teoremas. E deduzir passo a passo. Há uma fracção considerável de pessoas que entram na faculdade come a ideia vaporosa de que a Matemática é fazer contas com máquina de calcular. Mas não. Matemática é trabalhar com ideias. E este é um dos problemas que a gente tem quando eles entram. Conseguir que percebam que a Matemática é este processo.
É fantástico, é uma coisa admirável, que depois este processo intelectual tenha aplicações extraordinárias às ciências físicas em particular, e às engenharias. Mas a Matemática é esforço, trabalho, estudo pessoal. Não há volta a dar. Estamos a enganar-nos a nós próprios se iludirmos isso.
P. - Temos uma massa catastrófica, pontuada aqui e ali por génios. É uma das características deste sistema?
R. - Possivelmente. A minha sensação pessoal é que, ao contrário do que se poderia crer, esta atitude de facilitismo acaba por promover as desigualdades. Baixamos a fasquia para toda a gente conseguir passar, mas isso tem um efeito perverso. Quando a preparação de base é má quem é que se safa melhor? Os meninos que vêm de boas famílias, que o tio é engenheiro e até os ajuda, que os pais têm dinheiro para pagar a explicadores. A má preparação, baixar o nível, não torna as coisas igualitárias. Pelo contrário, aumenta as desigualdades.

Professor

Jorge Buescu, 41 anos, doutorado em Matemática pela Universidade de Warwick, Reino Unido, em 1995; Licenciado em Física pela Faculdade de Ciências de Lisboa, em Setembro de 1986.

Professor auxiliar no Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, tem tido a cargo a cadeira de Álgebra Linear e Análise Matemática I a IV.

Autor, entre outros, dos livros "Mistério do Bilhete de Identdiade e outras histórias ― crónicas das fronteiras da Ciência" (Gradiva, 2001) e "Da falsificação de Euros aos pequenos mundos" (Gradiva 2003).

Desde 1995 que assina a secção "Ciência" do boletim da Ordem dos Engenheiros, Ingenium.

Em 2001, foi galardoado com o prémio Rómulo de Carvalho de Investigação e Divulgação Científica.

publico nº 5705 | Domingo, 6 de Novembro de 2005

19/11/05 19:42  

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