sexta-feira, julho 14, 2006

Estado de Sítio, de Albert Camus

"Nada: (...) imaginam que tudo está na ordem. Não, vocês não estão na ordem, vocês estão na fila. Bem alinhados, de ar tranquilo, vocês estão maduros para a calamidade. (...) Quanto ao resto não se incomodem , há quem se ocupe de vocês lá em cima. E vocês sabem o que isso dá: os que se ocupam de nós não são complacentes!”



“A Peste: Eu reino, é um facto, é por consequência um direito. Mas é um direito que não se discute: vós deveis adaptar-vos.”



“A Secretária: A nossa convicção é que vocês são culpados. (...) É preciso ainda que vocês próprios se sintam culpados. E não se sentirão culpados enquanto não se sentirem fatigados. Estamos a fatigá-los, eis tudo. Quando estiverem derreados de fadiga, o resto irá por si.”



“A Peste: Esta boa gente, como diz, naturalmente não compreende nada, mas isso não tem importância! O essencial não é que eles compreendam, mas que se executem. Tem graça! É uma expressão que tem sentido, não acha? (...) Encontra-se lá tudo! Primeiro a imagem da execução, que é uma imagem enternecedora, depois a ideia de que o próprio executado colabora na sua execução, o que é a finalidade e a consolidação de todo o bom governo!”



“O Juiz: (...) E vou fazê-lo com um duplo contentamento, porque o farei em nome da lei e do ódio.
Victoria: Desgraça sobre ti que finalmente disseste a verdade. Nunca julgaste senão em nome do ódio, que tu embelezas com o nome de lei. Mesmo as melhores leis sabem mal na tua boca, porque é a boca amarga daqueles que nunca amaram ninguém. (...)”



“Diego: (...) Cada um de nós está só por causa da cobardia dos outros. Mas eu, que estou escravizado como eles, humilhado com eles, anuncio-te todavia o nada de que és feita, e que esse teu poder desenvolvido a perder de vista, até obscurecer o céu, é apenas uma sombra lançada sobre a terra, e que num segundo um vento furioso vai dissipar. Julgaste que tudo se podia resumir em números e em fórmulas! Mas, na tua bela nomenclatura, esqueceste a rosa selvagem, os sinais no céu, os rostos de Verão, a grande voz do mar, os momentos de angústia e a cólera dos homens! (...)



A Secretária: (...) Tanto quanto me posso lembrar, bastou sempre que um homem dominasse o seu medo e se revoltasse para que a máquina começasse a ranger. Não digo que ela chegue a parar, não é caso para isso. Mas, enfim, a máquina range e, algumas vezes, acaba mesmo por se avariar.”



(mais no Onde Mudar)