domingo, março 19, 2006

“O 'Eduquês' (...)” de Nuno Crato – uma apreciação pessoal e subjectiva

Principal defeito: o hábito irritante (pouco científico e que, aliás, se encontra pouco nos seus adversários) de não resistir à tentação de ridicularizar aquilo que não entende completamente.

Principal qualidade: não critica os professores, nem explícita nem implicitamente, ao contrário da maioria dos seus oponentes.

Eu confesso, já fujo de ler o que têm para dizer os progressistas, porque nunca falha: sabem que as ideias muitas vezes não são possíveis de serem aplicadas, porém o mal nunca está nas ideias nem nos que as defendem, mas sempre nos que as procuram aplicar no terreno (sendo este um facilmente reconhecível traço do fanatismo que, aliás, NC procura combater). Assim, a crítica implacável é sempre reservada para os professores (repare-se: uma atitude que surge em notória contradição com o tipo de postura que os progressistas teóricos dizem que os docentes devem ter)!

Ainda se a crítica aos professores fosse explícita e baseada na realidade dos factos, nós os professores ainda poderíamos aprender com ela ou defendermo-nos dela. Tal não é possível porque se tratam sempre de críticas construídas à base de ideias feitas velhas e de condenações a priori. Tudo muitas vezes escrito (cobardemente) sob a forma de generalidades subentendidas.

Dou um exemplo: a taxa de retenções e de reprovações que é muito elevada no nosso país. Não surgem hesitações em criticar agressivamente os professores e as escolas por esse facto. No entanto, todos sabemos que se explica em diversos documentos os porquês desse insucesso, quer aluno a aluno, quer a nível de escola. Principalmente, e com muito mais detalhe, nos casos de retenção repetida. Eu só pergunto: algum desses críticos se deu ao trabalho de, por exemplo em escolas com elevados níveis de insucesso, ir analisar as actas e os relatórios de retenção (já nem digo ir falar com os professores) a fim de tentar perceber honestamente o porquê desse insucesso?

Claro que não! É muito mais fácil (e fica-se mais bem visto) criticar e ridicularizar os professores. E afirmo: SEM RAZÃO!

Como é que eu sei que os professores são na sua generalidade, bastante competentes e sabedores, e que são-no claramente muito mais do que os professores de há 20, 30 ou 40 anos? É simples, eu explico.

Antigamente, os estágios implicavam importantes oportunidades de inovação para as escolas (isso passou-se comigo). Actualmente isso já não acontece: são genericamente muito mais sabedores e inovadores os professores mais experientes que os estagiários. O impacto destes nas escolas foi-se tornando cada vez mais insignificante face à boa qualidade dos outros professores. E percebe-se porquê: não se passa por um grande número de acções de formação (que todos os docentes foram obrigados a frequentar desde há uns anos a esta parte) sem se acabar por se ser formado, por mais resistências à mudança que possam existir a priori.

Por isso, volto a repetir: a maior parte das críticas feitas aos professores são não só injustas como absolutamente falsas.

Nuno Crato não cai nesse erro (Os bons professores sabem o que se deve fazer e tentam fazê-lo. Se muitas vezes não fazem mais e melhor, essa limitação não se lhes deve., p. 121). Só por isso, eu, que não gosto dele, que não gosto da sua postura habitual, que não concordo com algumas das coisas que ele escreve neste livro, eu sinto-me grato!


PS.: Nem todos os "progressistas" são como eu os retrato aqui, como é evidente. Uma palavra em favor de Paulo Abrantes, que já não pode esclarecer a falta de entendimento de NC, e que claro que não pertenceu nunca àquele grupo.

5 Comments:

Blogger IC said...

Caro Rui, numa passagem muito rápida por aqui (estou em fim de semana da blogosfera), saliento o exemplo que colocas: "Eu só pergunto: algum desses críticos se deu ao trabalho de, por exemplo em escolas com elevados níveis de insucesso, ir analisar as actas e os relatórios de retenção (já nem digo ir falar com os professores) a fim de tentar perceber honestamente o porquê desse insucesso?" Na minha opinião, o que de mais errado está a acontecer é a crítica sem prévia preocupação de ir conhecer por dentro as escolas - a realidade na maioria, não os modelos que têm condições para o serem. Houve situações no passado (Lei de Bases do Sistema Educativo, reformas) em que os professores foram ouvidos em grandes encontros, não indirectamente através da opinião dos sindicatos, era o que se chamava a discussão pública, e agora são ouvidas, porque publicadas em jornais, opiniões até de quem nada tem a ver nem nunca teve a ver com o ensino (pelo menos não superior) e com os professores ninguém vai falar, ninguém pede sequer testemunhos, ninguém procura o contributo da sua experiência.

P.S. Sabes que subscrevo a tua referência a Paulo Abrantes.
Abraço
Isabel

19/3/06 15:28  
Blogger IC said...

Voltei para referir os estágios. Actualmente só conheço directamente o que se passa no 2º Ciclo, quando vão estagiários à minha escola, primeiro, a dada altura do ano, para assistirem a aulas (de um professor que se oferece a pedido das instituições formadoras, sem outro critério), depois para darem algumas soltas a turmas que mal conhecem. Tenho chamado várias vezes a atenção para este modelo de "estágio", mais teórico do que prático, criado a seguir à Lei de Bases como se o 2º Ciclo passasse a coisa de menor importância. Neste ciclo o estágio já não está na escola, com a sua dinâmica, os estagiários não estão na escola, com o seu entusiasmo e desejo de inovação - nem estagiários nem orientador têm qualquer turma na escola.

19/3/06 16:11  
Blogger LN said...

Vou linkar o post :)

1/4/06 00:47  
Anonymous Anónimo said...

As reprovações nas escolas públicas vão ser gradualmente banidas e a tendência será a de que ao fim de 12 anos de escola todos os alunos possam ter o 12.º ano de escolaridade, fazendo subir com isso os índices de escolarização dos portugueses. O nível de conhecimentos adquiridos será inevitavelmente muito baixo, mas o que importa são as ESTATÍSTICAS, e assim Portugal poderá figurar "orgulhosamente" na lista de países com maior número de anos de escolaridade.

O 12.º ano vai ser em breve a escolaridade mínima obrigatória. Embora os jovens passem a sair do sistema de ensino com poucos conhecimentos académicos, pelo menos, enquanto por lá andam também não figuram nas estatísticas dos desempregados, o que também é bom para as tais ESTATÍSTICAS.

Assim, o facto de virem a exibir o certificado de habilitações do 12.º ano deixará em breve de dar qualquer indicação às entidades empregadoras relativamente às reais qualificações dos jovens que então vão sair das escolas e, em consequência, terão que ser as entidades empregadoras a testar os conhecimentos dos candidatos aos empregos que oferecerem (e não começaram já a fazê-lo há algum tempo?).

Os alunos que frequentarem as escolas públicas poucas possibilidades terão de atingir os necessários conhecimentos para prosseguirem os estudos. Assim, os pais que desejem para os seus filhos um curso superior terão que começar a consciencializar-se desde já que a escola pública não será o caminho aconselhável para a preparação dos seus filhos, mesmo que sejam crianças inteligentes e interessadas. O ambiente não será o melhor para que tenham sucesso por vários motivos:

1.º) na mesma sala coexistirão muitos alunos com fracos conhecimentos, porque não havendo reprovações, não haverá necessidade de empenho, nem nos estudos, nem na assiduidade às aulas;
2.º) com o fim do ensino especial terão por colegas jovens com deficiências várias: auditivas, de comunicação e até psíquicas;
3.º) porque todos os jovens são obrigados a frequentar a escola enquanto menores, mesmo que por ela não revelem qualquer interesse, terão por colegas outros jovens que apenas por lá andam porque o sistema a isso os obriga. Alguns deles utilizam a escola, os colegas e até os professores para se divertirem, gozando-os e boicotando as aulas.

Enfim, o Ensino vai de mal a pior!

Zé da Burra o Alentejano

22/4/08 15:16  
Anonymous Anónimo said...


3.º) porque todos os jovens são obrigados a frequentar a escola enquanto menores, mesmo que por ela não revelem qualquer interesse, terão por colegas outros jovens que apenas por lá andam porque o sistema a isso os obriga. Alguns deles utilizam a escola, os colegas e até os professores para se divertirem, gozando-os e boicotando as aulas.


CONCORDO PLENAMENTE! SE JÁ ATUALMENTE É ASSIM , O QUE É QUE VIRÁ AÍ COM O FIM DOS "CHUMBOS"????!!!!
O TRABALHO DO PROFESSOR É CADA VEZ MAIS INGLÓRIO. TRABALHAMOS CADA VEZ MAIS HORAS, TEMOS CADA VEZ MENOS VONTADDE E VIDA PRÓPRIA, OBRIGADOS A PASSAR HORAS E HORAS COM TRABALHO BUROCRÁTICO, A JUSTIFICAR NÍVEIS NEGATIVOS, QUANDO O FACILITISMO IMPOSTO E AS EXIGÊNCIAS INFUNDADAS DOS EE'S EXPLICA QUASE TUDO, ESGOTADOS DA INDISCIPLINA QUE SOMOS OBRIGADOS A TOLERAR E ACEITAR, E QUE EXPLICA A MAIOR PARTE DO QUASE QUE FALTA AO TUDO...

19/6/11 00:30  

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